Eleições para conselheiros tutelares: demonstração de imaturidade democrática
- Re Sociali

- 9 de out. de 2019
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Atualizado: 16 de abr.
No último dia seis de outubro, quase todos os municípios do Brasil escolheram seus respectivos conselheiros tutelares. Ao invés de o processo ter sido um momento para se conhecer melhor o papel dos conselheiros tutelares, experimentar o que é uma eleição facultativa em nível nacional, isto é, ir votar sem ser obrigado, entre outras oportunidades de exercer a cidadania, o que se viu, mais uma vez, foram demonstrações de como ainda precisamos aprender a conviver civilizadamente com a divergência política, com a democracia e com a cidadania.

Vou relatar a minha experiência como membro de uma comissão eleitoral nos últimos dois pleitos (2015 e 2019) em que as eleições foram realizadas no novo formato, aberto a todos os eleitores aptos pelo Tribunal Eleitoral.
A responsabilidade por todo o processo, poucas pessoas sabem, é dos Conselhos Municipais dos Direitos da Criança e do Adolescente, formados por pessoas do governo e da sociedade civil, de diversas áreas que têm relação com crianças e adolescentes. Essa função é voluntária, sem remuneração e de relevância pública. Ao Ministério Público, cabe o acompanhamento e a fiscalização de todo o processo. Processo que é iniciado, pelo menos, seis meses antes da eleição. Redação e revisão do edital, elaboração do calendário de todas as etapas, publicação, recebimento de documentos dos inscritos, análise minuciosa das certidões e documentos que comprovem os requisitos, chamadas para esclarecimentos, elaboração de documentos e registros, reuniões de preparação com os candidatos, reuniões com a equipe de trabalho para o dia da eleição, providências operacionais junto à prefeitura, TRE e promotoria, entre outras ações para que um grande evento aconteça. Durante todo esse período, as notícias sobre o pleito vão sendo divulgadas e discutidas pela sociedade. Os candidatos iniciam a campanha um mês antes da eleição.
Meu objetivo, aqui, não é entrar no assunto sobre as atribuições de conselheiro e sobre se os eleitos são ou não são aptos a exercerem a função. Mas refletir sobre as minhas observações do período de campanha e do dia da eleição.
O que percebi, quando a campanha foi iniciada, foi que a população tem muito pouco ou quase nenhum conhecimento sobre as atribuições do conselho. Essa é uma falha de comunicação que deve ser assumida pelos conselhos de direitos e pelo poder público. E esse desconhecimento se estende à maioria dos candidatos, impulsionados pelo salário ou por outras motivações, a priori, que não o interesse essencial em exercer o trabalho de defesa de direitos. Dentre essas outras motivações, posso citar duas:
As políticas. Candidatos de olho nas eleições municipais que acontecem no ano que vem e que usam o pleito para se tornarem conhecidos e testarem seu poder de angariar votos. Candidatos que são cabos eleitorais de caciques políticos, os quais pretendem ampliar suas bases para as próximas eleições.
As religiosas. Com o acirramento da polarização política e a entrada das igrejas, principalmente as evangélicas, nas disputas políticas e eleitorais, o cargo de conselheiro tutelar se tornou desejado pelos líderes que lançam e promovem seus fiéis à disputa dos cargos. O que muito os motiva é a pauta dos costumes, que está em evidência e foi decisiva nas eleições de 2018.
Dessa forma, a sociedade civil organizada que atua com criança e adolescente, que era quem decidia e escolhia os conselheiros tutelares, de forma indireta, antes da mudança para o sufrágio universal em 2015, não se adaptou às mudanças e perdeu a hegemonia na condução do tema.
Do outro lado, os eleitores. Posso dizer que esses decepcionaram. Não a maioria, claro, mas boa parte. Demonstraram grande desprezo pela importância que o assunto merece. Hoje, temos as redes sociais, um observatório sobre comportamentos e opiniões. Lá, pude ver pessoas dizendo que conselho tutelar não serve para nada. Memes ilustrando que chinelo e vara são os melhores conselheiros. Pessoas duvidando da idoneidade de candidatos, sem provas. Pessoas que não foram votar criticando o processo e os candidatos.
No local de votação, vi candidatos batendo boca e causando problemas por não conhecerem os termos do edital, os quais eles próprios assinaram o aceite. Uma enxurrada de acusações infundadas e sem provas por parte de eleitores, não eleitores e candidatos, em contraposição a uma ou duas denúncias devidamente registradas. Sei que em alguns municípios houve mesmo boca de urna e transporte de eleitores. Isso dever ser tratado por denúncia formal e resolvido. Porém, o que mais me chama a atenção é esse clima beligerante contra a democracia e a civilidade. Não há colaboração mútua e confiança na democracia, mas enfrentamento pelo mau exemplo. Lamentável e triste!
Então, esse pessoal vem me dizer: é falta de informação, de divulgação, de organização etc, sempre fugindo da própria responsabilidade que é cumprir o papel que lhes cabe como cidadãos que valorizam a democracia. Meu recado é para esses que mais reclamam, que têm formação para entender e têm todas as informações disponíveis e não para quem cumpriu seu papel civilizadamente e votou acreditando no processo. Ora, se esses que negam e criticam o processo têm discernimento e capacidade para toda essa argumentação, mesmo que rasa, contra os instrumentos de democracia aplicados - comissão, edital, campanha, eleição e diversidade de escolha -, de dizerem que tudo isso não serve para nada, então, que abram a Constituição e o ECA, leiam e entendam que estão sendo infantis. Infantis não, esse termo ofende nossas crianças se considerarmos suas atitudes. Anti-democráticos, isto sim. Vi um bando de adultos pedindo tutela para a organização, fazendo birra para chamar a atenção. Imaturos, cresçam!
Após trinta e um anos da promulgação da Constituição Federal e vinte e nove anos da publicação do Estatuto da Criança e do Adolescente, ainda não merecemos ser chamados de cidadãos plenos. E a tendência é piorar. Somos imaturos em relação ao exercício da democracia.
João Godoy




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