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Escolas militarizadas: não é obrigatório, mas é forçado

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Recentemente, a Prefeitura de Amparo realizou audiência pública para discutir a implantação de escolas cívico-militares na cidade. Esse modelo prevê que policiais militares e municipais reformados ministrem aulas de política e ética, além de zelar pela ordem e os bons costumes. O programa tem sido alvo de críticas de especialistas em educação e segurança pública. Alguns, destacam a falta de evidências que sustentem o desempenho acadêmico superior dessas instituições. Outros, questionam a eficácia desse modelo na promoção da segurança pública. Vou ater-me à questão social.

Um dos pontos mais críticos dessa proposta é o tratamento de crianças e adolescentes como objetos de intervenção, e não como sujeitos de direitos como preconiza o Estatuto da Criança e do Adolescente. Aliás, o menorismo, termo que melhor se aplica para definir essa intervenção, foi abolido há trinta e quatro anos, justamente com a promulgação do ECA. O ambiente escolar deve ser um espaço de pluralidade e diversidade, não de disciplinamento pelo medo e uniformidade de comportamento. Transformar a escola em um espaço de moralismo rígido e pessoal de um grupo específico não só contraria os princípios da educação inclusiva e democrática como também desrespeita a essência dos direitos de crianças e adolescentes.

A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-se-lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade (Art. 3º, do ECA).

A narrativa que associa a necessidade de disciplina militarizada ao comportamento de crianças e adolescentes é uma visão criminalizadora e desproporcional, além de estigmatizar as regiões periféricas. Isso é particularmente problemático quando se considera que atitudes infratoras não representam a maioria dos alunos nem determinado bairro. Essa pseudo análise social se aproxima perigosamente da teoria do etiquetamento social. Em vez de colocar militares aposentados para intervir em situações escolares, seria mais adequado implementar as leis federal e municipal vigentes, que preveem a presença de assistentes sociais e psicólogos nas escolas. Esses profissionais são qualificados para lidar com questões sociais, comportamentais e emocionais de forma adequada e em articulação com a família.

A educação formal é um direito garantido às crianças e adolescentes, e não uma escolha arbitrária dos pais ou do governo. A proposta de escolas cívico-militares cria uma falsa escolha, onde os alunos que não se adaptam ao modelo são obrigados a se transferirem para outras escolas, muitas vezes em bairros distantes. Isto não só prejudica o vínculo dos alunos com a comunidade escolar e territorial, mas também desrespeita o direito à educação num ambiente familiar e seguro, colidindo com os incisos I e V, do artigo 53, do ECA:

A criança e o adolescente têm direito à educação, visando ao pleno desenvolvimento de sua pessoa, preparo para o exercício da cidadania e qualificação para o trabalho, assegurando-se-lhes: igualdade de condições para o acesso e permanência na escola; acesso à escola pública e gratuita, próxima de sua residência, garantindo-se vagas no mesmo estabelecimento a irmãos que frequentem a mesma etapa ou ciclo de ensino da educação básica.

Os defensores das escolas cívico-militares - que melhor devem ser chamadas de escolas militarizadas, considerando o sequestro do termo cívico para camuflar o autoritarismo - costumam apontar resultados positivos em determinadas instituições como prova de sucesso. No entanto, esses resultados se devem, em grande parte, a altos investimentos e rigorosos processos seletivos, e não a um modelo de gestão militar, sem contar que esses resultados estão vinculados ao exército e não às polícias. O que as escolas realmente precisam é de investimentos substanciais em infraestrutura, salários dignos para os professores e presença de profissionais especializados, como psicólogos e assistentes sociais. É essencial capacitar, valorizar e remunerar adequadamente os profissionais da educação, garantindo uma gestão escolar eficiente e inclusiva.

A proposta de escolas militarizadas está imbuída de um moralismo relacionado a uma classe social específica e representa uma abordagem anacrônica e simplista dos problemas educacionais e sociais. A tentativa de impor disciplina e moralidade através do policiamento de comportamentos reflete uma visão retrógrada que não se alinha com a complexidade da sociedade contemporânea. Este modelo não reconhece que os problemas de gestão educacional são em grande parte o resultado de políticas governamentais ineficazes e não de uma suposta indisciplina individual dos alunos.

A implantação das escolas militarizadas em Amparo representa um retrocesso para a educação pública. Em vez de investir em modelos militarizados e sem respaldo científico e pedagógico, é fundamental focar em políticas que promovam a inclusão, diversidade e respeito aos direitos de crianças e adolescentes. A educação deve ser um espaço de formação cívica, crítica e democrática, não um campo de intervenção militarizado. É preciso um real comprometimento com a valorização dos profissionais da educação e com a implementação de políticas públicas que garantam educação de qualidade para todos.

Não sou profissional da educação e jamais teria a imodéstia de apresentar um projeto desse porte às escolas, por isso ative-me às questões sociais que são da minha alçada. Porém, não parece ser o que pensam - e nem encabulam - os senhores coronéis a respeito. Da minha parte, fiquei com a verdade das crianças, quando uma me disse: “adoro minha escola, minha professora e meus amigos, mas uma coisa é chata, no banheiro todas as torneiras estão quebradas”. E aí, algum soldado se habilita?


João Godoy

Assistente Social

Administrador

 
 
 

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